Mobutu, herói trágico? Ao explorar o destino frustrado e os excessos da déspota zairense graças ao documentário do diretor belga Thierry Michel, o escritor de quadrinhos Apollo pensa imediatamente nas grandes figuras da mitologia grega. Risco ocupacional?
Este reunionese nascido em Cartago, na Tunísia, é também professor de francês, causou influência pelas peças de Racine. Na dele cabeça, a ideia do quadrinho T’Zée, uma tragédia africana Nasce: o drama de Fedra, esposa de Teseu, rei de Atenas, será repetido na selva congolesa.
Tiranos eternos
“Essas histórias arcaicas têm tanta plasticidade que podem se adaptar a contextos que nada têm a ver entre si. A Versalhes do século XVI, com Racine, ou aqui, o Zaire dos anos 1990”, sublinha Apollo. Misturando realidade e mito, retocando nomes e reorientando Ó trajetórias, apresenta Bobi, segunda esposa do ditador T’Zée, apaixonada pelo enteado Hyppolite, que é apaixonada pela filha de um independentista, uma espécie de primeira ficção de Pierre Mulele.
O que me interessa é este fim do mundo ao qual o Ocidente prestou pouca atenção, essa loucura megalomaníaca que está a morrer
“Tudo é ao mesmo tempo muito inspirado na realidade e quase inventado”, resume Apolo, que confia que quis libertar-se de qualquer rigor histórico. Mas o espectro de Lumumba, dos Mai-Mai ou do genocídio do “pequeno país vizinho” nunca está longe…
Assim como Mobutu, o personagem T’Zée usa um chapéu com estampa de leopardo e mandou construir seus próprios Versalhes no coração da floresta equatorial. Seu punho erguido e suas medalhas são, no entanto, inspirados no déspota ugandês Idi Amin Dada. “Como fizeram muito os romancistas das décadas de 1970 a 1990, criamos um arquétipo de um ditador africano. Nosso personagem é uma mistura de todos esses eternos tiranos”, comenta Apollo.
Fim do reinado
O roteirista se uniu mais uma vez a Brüno, com quem criou o díptico de ficção científica Biótopo a série Comando Colonial. Design clean mas atento aos detalhes, tons verdes e ocres… Este álbum exala um perfume de fim de reinado. A queda do ditador está se aproximando. “O que me interessa é este fim do mundo ao qual o Ocidente acabou por prestar pouca atenção, essa loucura megalomaníaca que está a morrer e que a literatura africana francófona tão bem anunciada”, explica Apollo.
Os escritos dos congoleses Sony Labou Tansi e Emmanuel Dongala, do camaronês Mongo Beti, Maliano Amadou Hampaté Bâ e o marfinense Ahmadou Kourouma também aparecem nos cinco atos da história em quadrinhos. “Diremos a verdade. A verdade sobre sua ditadura […]escreveu este último em 1998 em Enquanto espero que as feras votem. Toda a verdade sobre sua sujeira, suas besteiras; denunciaremos suas mentiras, seus numerosos crimes e seus assassinatos. »
Terra da fantasia
Appollo desenha o fim de um mundo, mas também o que ele sobreviveu: sapadores, lutas, fetiches… Tudo o que, enfim, marcou o imaginário deste reencontro que viveu cinco anos na RDC. Se também passou por França continental, Marrocos, Angola e Reunião – onde hoje reside – guarda uma memória particularmente viva do calor dos congoleses, do fervor de Kinshasa e da sua produção cultural “absolutamente incrível”.
A RDC é um país que me acompanhou durante muito tempo, era o meu país imaginário
O artista não deixou de se associar aos talentos locais. Com Séraphin Kajibwami, em 2011 participou numa missão de sensibilização sobre a SIDA da ONG Artistas Africanos para o Desenvolvimento com Os Diamantes de Kamituga, que então se tornou a maior circulação de uma história em quadrinhos de língua francesa na África Subsaariana, em 100.000 exemplares. Com Barly Baruti, em 2014 imaginou o disco Sra., uma história de aventura tendo como pano de fundo a Primeira Guerra Mundial. “A RDC é um país com o qual fantasiei muito, que me acompanhou durante muito tempo”, confia Apollo. Era minha terra de fantasia. Quando fui morar lá aumentou a emoção que ainda hoje me causa. » E que ele espera transmitir a deletar leitores.